Dito isso, informo que me decepcionei muito com Delírio. É uma história que talvez fosse genial na década de 90, mas agora é ultrapassada, mais do mesmo, sem nada novo a acrescentar.
A vigilância, tão falada na cidade, nada mais é que o panóptipo, um termo que já existe desde 1785 e conhecido por qualquer estudante de humanas que eventualmente tem que ler Foucault. Uma teoria tão antiga e usada na sua forma mais clássica, com a vigilância do telefone, as patrulhas, o medo, e a vergonha. Tudo bem que em sociedades distópicas esse olhar está sempre presente, e agora com o recente escândalo de vigilância do Obama o termo se atualizou, mas ela não. Usou de uma forma ultrapassada, talvez, não adaptou. Essa teoria existe e é estudada até hoje por um motivo, mas ela é maleável, se encaixando nas mudanças do mundo.
Outra coisa que percebi foi o preconceito intrínseco da autora para/com a homossexualidade. Ela diz claramente que a relação entre pessoas do mesmo sexo é antinatural. A relação dela com sexo é bastante antiga. Para ela, o prazer sexual está relacionado com o amor. Se não temos amor na sociedade, o sexo serve apenas para reprodução, sendo que o número de filhos é estipulado pelo governo. Ela ainda trata a masturbação como algo relacionado com amor e como tal deve ser punido, evitado e controlado. De novo lembrei muito das minhas aulas de psicologia, de Foucault, e em como isso era realidade na década de 80/90. Hoje em dia, já mudou. A sociedade evoluiu.
E ela vai contra ela mesma quando deixa os filhos para crescerem sobre os cuidados dos pais biológicos. Se não há amor, como esses poderão cuidar dos filhos? Por responsabilidade familiar? Se ela vai tirar o amor da sociedade, e as crianças são necessárias para manter a população, a única solução possível é um colégio interno onde o governo controla todos. Afinal de contas, quem se apaixona mais que adolescentes? Lembro de uma amiga que toda a vez que a encontrava, estava amando outro menino. Simplesmente separar meninos de um lado e meninas do outro não vai mudar nada. E para explicar essa minha "revolta", a cura só pode ser administrada quando a criança completa 18 anos, ou seja, essa idade, os menores vivem todos os dilemas amorosos que nós.
Uma coisa que me perturbou que é não pareceu ter havido nenhum estopim para essa mudança. Por que de repente crucificar o amor? Por que as pessoas estava deprimidas e estressadas? Nem todo o sentimento de depressão e stress é relacionado com o amor. Guerras? São ótimas financeiramente e o capitalismo jamais permitirá que elas não existam. A sociedade sem amor não tem um grande desenvolvimento tecnológicos, pelo contrário, parece que voltou à tecnologia dos anos 80, as pessoas não trabalham mais do antes, não estão em condições melhores de vida, ainda existem pobres e ricos. Não vi motivo para tirarem o amor da sociedade.
Me irritou o fato dela jogar amor, paixão, desejo, amizade, prazer e até mesmo gosto em um mesmo saco e dizer que quando você tira o amor da jogada, você tira todos esses sentimentos juntos. Eu vejo como coisas bastante diferentes. E por isso é tão complicado quando você resolve tirar sentimentos do ser humano, escrever "distopias sentimentais". Se você não ama nada, nem ninguém, o egoismo deveria imperar. As pessoas viveriam sozinhas, seriam extremamente competitivas, não abriram mão nunca do que querem. Iriam fazer sexo por prazer, e não teriam preconceitos.
A sociedade de Delírio é extremamente preconceituosa, não há egoísmo, não há nada. As pessoas perdem o amor e viram robôs, que aceitam tudo que o governo impõe. (E eles nem precisam criar lesões no cérebro pra isso, né?) Na verdade, até criam, porque a operação de cura do amor deliria nervosa mexe na cabeça da pessoa. Mas nesse primeiro livro não há uma teoria da conspiração em relação a isso.
Para terminar, quero elogiar a escolha de capa e letras da editora Intrínseca, mas pedir que da próxima vez se preocupe menos com isso e mais com o texto em si. Tem alguns, bastante erros de história. Logo no começo já percebi que não é laranja que a menina chupa, é tangerina/mexerica. Não descascamos e separamos em gomos laranja com a mão, ao menos que você seja um animal.
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